"Ao fim das crônicas conheça os poemas do autor"

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O PARAÍSO É AQUI.

Há pouco tempo foi notícia na mídia que no Ceará uma cooperativa do ramo de confecções abriu um curso para costureiras com a finalidade de empregá-las. Terminado o curso a quase totalidade das participantes teria desistido do ofício, simplesmente, para não perder a tal Bolsa Família.

Por outro lado, é sabido que, de um tempo para cá, homens e mulheres do Brasil, mais precisamente os das roças, mesmo sem terem contribuído, começaram a receber aposentadorias comprometendo, como era de se esperar, os benefícios daqueles que pagaram à previdência durante toda a sua vida de trabalhador. Quem não vive o drama, pode até exclamar: - Como o Brasil está bem! Acabando com a pobreza... Amparando a velhice... Mas, estariam fazendo de maneira correta?

Creio que não. Ainda que vivêssemos sentados sobre montanhas de ouro e de diamante, por exemplo, o povo, os jovens principalmente, precisariam de instrução e de trabalho dignos para pagar a previdência e sustentar a si e à sua família. E, o Brasil possui um imenso interior que podia ser explorado, na busca de trabalho honesto... para o brasileiro.

Nós vemos que quando uma nova atividade é posta a funcionar, o trabalhador aparece. Com o seu entusiasmo, após rápidos cursos, torna-se apto à tarefa. O brasileiro não é malandro! Tanto que, só quando não vislumbra mais nenhuma saída para ganhar para o seu sustento, ele busca trabalho no tráfico, fomentando uma atividade onde o fim pode ser de duas maneiras: a morte ou a prisão. E, ao contrário de outros países que cobram a estadia do detento, dando-lhe opções de trabalho, ele aqui, na ociosidade que lhe é oferecida, tira férias por conta do governo.

É uma situação complicada. Enquanto isso, aqueles que obedeceram à lei e, rigorosamente, pagaram suas contribuições previdenciárias, vêem logo após se aposentar, o seu beneficio ser achatado, ano após ano. O que deveria ser um benefício perene, corrigido, não acontece. Parece que o objetivo da nossa previdência é nivelar todos pelo mínimo. Até porque quanto mais miséria, mais fácil fica oferecer programas sociais: “Cheque isso”, “Cheque aquilo”; “Bolsa isso, “Bolsa aquilo”; TUDO POR 1 REAL: farmácia, transporte, restaurante, o que você pensar... O Paraíso é aqui!

Falando sério. Fica até difícil o brasileiro insistir em viver com honestidade, pagando rigorosamente os seus impostos, confiando em quem tem obrigação de confiar. Mas, quem pensa que os beneficiários desses planos mirabolantes vão receber tudo de graça, está enganado. Periodicamente, vai ter que prestar contas. Nova data está chegando. Aqueles inocentes, diante de tantos “benefícios” recebidos, perguntam:

- Mas, precisamos pagar alguma coisa?

- Não. Vocês não precisam pagar, nada! Basta irem lá, na urna, e digitar os votos. Vocês já aprenderam a fazer tudo direitinho!...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O ESTERNO

A passagem fora comprada com atenção a fim de aproveitar mais o tempo da viagem, mas com cuidado para que o desembarque na capital se desse ainda com a luz do sol. Ultimamente, o Rio de Janeiro assustava diante do noticiário policial. Isso passou a amedrontá-lo a ponto de adiar várias vezes a visita ao parente operado. A família é que insistia com a viagem, lembrando os favores prestados pelo parente, quando eles lá residiam. Finalmente, decidiu: – É hoje! E, embarcou... O que ele não contava é que obras que estavam sendo realizadas em inúmeros pontos da rodovia, atrasassem a viagem, a ponto de chegar ao Rio de noite.

Pela ponte admirou o “colar de diamantes” que é a baia de Guanabara à noite. Ficou receoso com a escuridão lá fora. Na Rodoviária, retirou a sua valise do bagageiro e se preparou para descer. Começou a rezar a oração que a mãe lhe ensinara para se livrar dos perigos. O corredor congestionado impedia que saísse mais rápido do ônibus. Lá fora, ligou para a esposa do operado. Ela não mandara ninguém pegá-lo na rodoviária, porque os meninos tinham ido fazer um concurso... Estava nas mãos de Deus!

Um guarda informou-lhe o ônibus que o levaria mais próximo do edifício do parente operado. O ônibus estava estacionado. Entrou. Acomodou-se. Admirou a trocadora: nova, simpática, quase uma menina e, no entanto, ali estava jogada às feras do trânsito louco do Rio. Buscou um bom lugar, já que o ônibus demoraria 20 minutos. Aproveitou para observar os passageiros. Dentre eles, chamou-lhe a atenção uma turista que falava espanhol, com vistoso bolero, e cabelos negros que sacudia vez ou outra, sobre os ombros:

- Olla! Vai a Copacabana?

- Vai, sim. Respondeu a trocadora.

- Quanto costa? A trocadora informou, ela pagou. Depois deu outra sacudida no cabelo, passou com dificuldade pela roleta, fez “caras e bocas” e acomodou-se no primeiro banco. Ele pensou: seria uma Larissa genérica? ou uma Riquelmes do Paraguai (aí já seria um pleonasmo, não é verdade?) O certo é que a garota era bonita e falava espanhol, como a Musa da Copa.

Logo o motorista dá partida e atravessa ruelas escuras que mais pareciam tiradas de filmes policiais americanos. Depois, alcança a Av. Venezuela e ele vê, próximo à Praça Mauá, um grande abrigo de passageiro. Foi ali, nos anos 60 que desembarcou pela primeira vez no Rio para tentar a vida. Apesar do reflexo na janela e da semi-escuridão lá fora, recorda que foi nessa área do centro que iniciou a sua vida no Rio. A rua Marechal Floriano, onde começou a trabalhar num escritório de representações, a Candelária, a Rio Branco, a Cinelândia onde fez pré-vestibular e foi a cinema e teatro. O Hotel Serrador, o relógio da Mesbla, o Passeio Público o Aterro do Flamengo, onde se localizava o restaurante dos estudantes, todos lugares familiares nos seus primeiros anos de Rio. Com nostalgia lembrou o chafariz da Praça Paris, que o metrô levou... A igrejinha da Glória não conseguiu ver. Apreciou a sequência: Glória, Catete, Flamengo, Botafogo; o Pão de Açúcar, de um lado, o Cristo do outro. Os túneis, e finalmente, Copacabana! Oh, Rio de Janeiro, de tantas belezas que fascinavam! Mas, que agora, assusta!

Desceu na Barata Ribeiro e foi na direção da praia até chegar à N.S. de Copacabana. Passou pelo Teatro Copacabana que exibe cartazes nostálgicos da época de ouro do teatro. Um pouco mais de caminhada, sempre observando os personagens da noite boêmia da Princesinha do Mar, hoje refúgio dos aposentados, ele finalmente chega ao apartamento do operado.

- Rapaz! Como você está bem!

- É... o pior já passou...

- Não me esqueci do chuvisco que você adora. Trouxe dos dois:

em calda e cristalizado. Está uma delícia. A esposa interferiu:

-NÃO! Ela, transformada em rígida enfermeira, foi taxativa.

Depois, o parente operado levantou a camisa para mostrar-lhe o tórax. Bem no centro, ele, o esterno, raspado, rasgado, explorado, apesar de tudo revelava apenas uma discreta cicatriz, que ele cuidava com atenção, tomando coquiteis de remédios e cruzando a toda hora, os braços sobre o peito, como quem carrega algo super valioso, sagrado enfim, o símbolo de um novo homem.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

FERNANDO PESSOA

No nosso próximo café literário, no qual cantores entoarão clássicos de Amália Rodrigues e de Francisco José, numa festa em que homenagearemos Portugal, escolhi falar sobre o extraordinário poeta português Fernando Pessoa. Eu me lembro que tempos atrás quando o nome do poeta era mencionado, logo vinham à tona os famosos versos do poema “Autopsicografia”: “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”, ou então os não menos famosos versos de “Mar português”: “Oh mar salgado, quanto do teu sal/ são lágrimas de Portugal!” e, mais adiante “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena”...

Agora, para cumprir o meu intento, diante da complexidade da obra do poeta, voltei aos livros e descobri que, nos versos do "poeta dos heterônimos" além de revelações pessoais, há coisas belas pela simplicidade ou pelos questionamentos que fazem. Por exemplo, Alberto Caeiro, no seu poema XIV, falando do modelo clássico da poesia, diz: “Não me importo com as rimas. Raras vezes/ Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.” E, no poema XVIII, ele fala versos que exprimem humildade: “Quem me dera que eu fosse o pó da estrada/ e que os pés dos pobres me estivessem pisando...”

Outro dos heterônimos seus, Ricardo Reis, dá a impressão de ser mais solto, de gostar de brincar com as palavras. Vejam, por exemplo, neste poema: “Sim, sei bem/ Que nunca serei alguém./ Sei de sobra/ Que nunca terei uma obra/ Sei enfim/ Que nunca saberei de mim/ Sim, mas agora,/ Enquanto dura esta hora/ Este luar, estes ramos,/ Esta paz em que estamos,/ Deixem-me crer/ O que nunca poderei ser.”

Já Álvaro de Campos é autor de poemas longos. Apesar de utilizar-se de poemas menores, poemetos, seus trabalhos em geral são apresentados em forma de narrações ou louvações a grandes feitos. Num deles, intitulado “Lisboa Revisitada”, referindo-se à sua cidade natal, assim fala: “Outra vez te revejo./ Cidade da minha infância pavorosamente perdida.../ Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...” E, fechando o poema: “Outra vez te revejo,/ Mas, ai, a mim não me revejo!/ Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,/ E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim/ Um bocado de ti e de mim!...”

Em Fernando Pessoa, como ele mesmo, encontram-se os citados poemas “Autopsicografia” e “Mar Português". Ele, também, nos fala sobre as façanhas marítimas de Portugal, a nobreza, as praias, enfim, o fascínio português pelo mar...

Sem qualquer visão crítica da minha parte, acompanho aqueles que viram angústia e confusão emocional na obra do grande poeta português. Para concluir, busquei os versos de “Opiário”, com os quais o seu heterônimo Álvaro de Campos encerra o poema, que são quase um grito de desespero: “E afinal o que quero é fé, é calma/ E não ter estas sensações confusas./ Deus que acabe com isto! Abra as eclusas - E basta de comédias em minh’alma!”