Vou começar a tirar das prateleiras os meus velhos e queridos livros de papel, me preparando para mais uma mudança radical, desta feita atingindo aqueles que nos trouxeram conhecimento e alegria: os livros. Livros que foram adquiridos por necessidade intelectual ou comprados por motivação passageira; adquiridos em sebos ou feiras de livro; ou acalentados por algum tempo e que nos alegram sempre quando a eles retornamos; os que compramos por indicação e os que não conseguimos passar do primeiro capítulo... todos condenados, democraticamente, a desocupar espaço.
A tecnologia opera maravilhas, mas ao mesmo tempo transtorna a vida das pessoas. Eu costumo brincar com meu filho caçula, dizendo que o ser humano que já colabora com a ciência através das suas digitais e das suas iris/pupilas em programas informáticos, só falta agora colaborar com o seu espirro... espirrou e, junto com aquele discreto ou escandaloso ato, o homem terá todas as suas dúvidas esclarecidas sobre qualquer tema... Tudo personalizado e com a rapidez que a informática exige...
Mas – falando sério! – é incrível como o avanço tecnológico nos obriga constantemente a nos separarmos de tanta coisa que um dia colecionamos com carinho e dedicação. Até a época do rádio, por exemplo, a coisa era menos avassaladora. Durante muitos e muitos anos nos contentamos com esses aparelhos: a princípio enormes, depois em tamanhos mais apropriados, até chegar aos portáteis que já davam sinais do que seria o progresso tecnológico que viria por aí... caminhando lado a lado, a antiga vitrola, fora substituída pela radiola, que conjugava no mesmo objeto rádio e toca-disco no pioneiro e discreto 2em1 da história.
A partir daí, vimos surgir o toca-fitas, e muito rapidamente o toca-cd. E, com o avanço da tecnologia, começou o dilema: “o que fazer?” O que fazer com as pilhas de disco que já haviam substituído o vinil? (long-plays, duplos, simples); Com os sonhos ali contidos: as valsas, os boleros, Nélson, Altemar, Elizeth, Chico, Elis e tantos outros? E, com a radiola desativada? Depois, com o advento do CD, foi a vez de aposentar o toca-fitas, junto com suas caixas... Agora, após tantas seleções e tantos CDs empilhados, vem a possibilidade transformar tudo em lixo, já que um minúsculo aparelho chamado pen-drive é capaz de armazenar tudo o que você deseja em matéria de “som”, transformando-se na mais extraordinária discoteca.
Com os livros também está próximo de acontecer uma mudança radical. Drástica, como toda mudança que chega para promover substituição. Os queridos livros que ao longo da nossa vida foram arrumados cuidadosamente em lugar privilegiado da casa, estarão em breve vestindo uma roupagem nova: despindo-se da forma original de papel, desocupando estantes, ou grandes paredes repletas de importantes obras, estarão dando lugar a uma “única” tabuleta eletrônica que substituirá toda a sua coleção literária, numa atitude bem compatível com as transformações da informática.
Aí, então, aqueles velhos e queridos amigos que folheávamos com prazer, por sua poesia, suas aventuras, seus temas envolventes, promoverão um melancólico “Encontro Marcado”: Machado, Hermingway, Garcia Marques, Vargas, Helder Câmara, Drummond, Bandeira, Adélia, Cecília e Quintana, entre tantos, num misto de festa e velório... partirão para sua nova moradia: uma tabuleta eletrônica, onde viverão todos juntos, calados, sumidos, até serem acionados um dia por um simples botão que lhes dará vida, tudo patrocinado pelo fantástico avanço da Tecnologia.
Certamente que não é para hoje, mas estamos num caminho sem volta. Você pode reagir a essa nova mudança, pranteando o fim da sua bela e bem cultivada biblioteca, ou então, empacotando-a e viajando com ela para o Xingu, em busca do tempo perdido... Isso, se o Xingu ainda existir, após tanta degradação que vem acontecendo na Amazônia...