No nosso próximo café literário, no qual cantores entoarão clássicos de Amália Rodrigues e de Francisco José, numa festa em que homenagearemos Portugal, escolhi falar sobre o extraordinário poeta português Fernando Pessoa. Eu me lembro que tempos atrás quando o nome do poeta era mencionado, logo vinham à tona os famosos versos do poema “Autopsicografia”: “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”, ou então os não menos famosos versos de “Mar português”: “Oh mar salgado, quanto do teu sal/ são lágrimas de Portugal!” e, mais adiante “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena”...
Agora, para cumprir o meu intento, diante da complexidade da obra do poeta, voltei aos livros e descobri que, nos versos do "poeta dos heterônimos" além de revelações pessoais, há coisas belas pela simplicidade ou pelos questionamentos que fazem. Por exemplo, Alberto Caeiro, no seu poema XIV, falando do modelo clássico da poesia, diz: “Não me importo com as rimas. Raras vezes/ Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.” E, no poema XVIII, ele fala versos que exprimem humildade: “Quem me dera que eu fosse o pó da estrada/ e que os pés dos pobres me estivessem pisando...”
Outro dos heterônimos seus, Ricardo Reis, dá a impressão de ser mais solto, de gostar de brincar com as palavras. Vejam, por exemplo, neste poema: “Sim, sei bem/ Que nunca serei alguém./ Sei de sobra/ Que nunca terei uma obra/ Sei enfim/ Que nunca saberei de mim/ Sim, mas agora,/ Enquanto dura esta hora/ Este luar, estes ramos,/ Esta paz em que estamos,/ Deixem-me crer/ O que nunca poderei ser.”
Já Álvaro de Campos é autor de poemas longos. Apesar de utilizar-se de poemas menores, poemetos, seus trabalhos em geral são apresentados em forma de narrações ou louvações a grandes feitos. Num deles, intitulado “Lisboa Revisitada”, referindo-se à sua cidade natal, assim fala: “Outra vez te revejo./ Cidade da minha infância pavorosamente perdida.../ Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...” E, fechando o poema: “Outra vez te revejo,/ Mas, ai, a mim não me revejo!/ Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,/ E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim/ Um bocado de ti e de mim!...”
Em Fernando Pessoa, como ele mesmo, encontram-se os citados poemas “Autopsicografia” e “Mar Português". Ele, também, nos fala sobre as façanhas marítimas de Portugal, a nobreza, as praias, enfim, o fascínio português pelo mar...
Sem qualquer visão crítica da minha parte, acompanho aqueles que viram angústia e confusão emocional na obra do grande poeta português. Para concluir, busquei os versos de “Opiário”, com os quais o seu heterônimo Álvaro de Campos encerra o poema, que são quase um grito de desespero: “E afinal o que quero é fé, é calma/ E não ter estas sensações confusas./ Deus que acabe com isto! Abra as eclusas - E basta de comédias em minh’alma!”