"Ao fim das crônicas conheça os poemas do autor"

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sábado, 11 de julho de 2015

O BICHO

      Ontem à tarde, voltando para casa, na entrada da vila onde moro, havia um homem mexendo nas sacolas de lixo. Eu pensei: deve ser algum catador de material reciclável, pois já abrira algumas sacolas e, verifiquei próximo a ele, uma latinha de refrigerante. Bem na sua frente, no entanto, vi algo que me deixou intrigado...
       Curioso, aproximei-me, com o intuito de lhe chamar a atenção, pedindo-lhe que quando acabasse, deixasse tudo como estava antes. Foi quando vi que, mais próximo de si, num resto de plástico branco, ele já havia separado restos de alface e rodelas de tomate, formando o material, sobre a tela branca do plástico estirada no chão, a mais intrigante pintura que eu já presenciara, trazendo-me, ainda, à mente o poema “O bicho”, de Manoel Bandeira. Aos poucos, no meio daquele resto de lixo alimentar, ele descobria mais elementos, que cheirava, escolhia, e adicionava ao “prato”... Meu Deus! Como pode acontecer isso numa cidade tão rica como a nossa! Não podia ser verdade! Mas, era.
         - Quando acabar deixe tudo como estava antes, ok?
         - Pode deixar.
         Dei dois passos em direção à casa, sem deixar de me comover com a cena vista. Separei uma cédula e, emocionado a entreguei ao infeliz.
         - Aqui para o senhor.
        Ele, agradeceu, invocando a proteção divina para mim. Emocionado, rumei para minha casa, chocado com a cena. “Meu Deus, o bicho de que falava Manoel Bandeira no seu tocante poema, existe.” Eu comprovei. Apesar das imensas riquezas nossas, muitas vezes, mal administradas ou despudoradamente dilapidadas. O pior de tudo é a gente constatar que as nossas praças atualmente estão lotadas de homem-bicho ou bicho homem que enfrentam o frio da noite nas calçadas, debaixo de velhos cobertores, e catam comida nas lixeiras, para saciar a fome. Como cristão que sou, sei que poderia inclusive tê-lo convidado para comer alguma coisa melhor do que o lixo, em minha casa. Infelizmente, outro grave problema social que nos atinge atualmente – a Violência – me impediu de fazer-lhe tal convite. Mas, a cena de ontem me chocou! Chocou tanto que não dormi direito e ao acordar estava com esta crônica pronta na cabeça.      
Há trabalhos poéticos que, de tão vigorosos, não conseguimos retirar da mente. É o caso de “O Bicho”, de Manoel Bandeira, que foi um marco na minha vida e que hoje, numa constatação bem semelhante à do poeta (acredito eu!) foi inspiração para esta crônica. Por isso, resolvi incluí-lo na mesma, para apreciação e reflexão dos leitores:

O BICHO

“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

 O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

 O bicho, meu Deus, era um homem”.