De repente o filme da nossa vida vai caminhando para o final e a gente nem se dá conta... Uma expectativa aqui, uma emoção a mais acolá, uma trama mais pesada, quando a gente vê o meio do caminho já vai longe. Bendito seja Manoel Bandeira que no seu poema “Consoada”, sobre a morte, falou a certa altura: “...o meu dia foi bom, pode a noite descer...” O médico e intelectual campista Wilson Paes, no seu poema “Missão Cumprida”, em agradecimento a Deus pela vida, diz que cumpriu a sua missão e que, depois de ver crescer a sua grande descendência, está pronto para a partida. Toda a descendência, aliás, presente ao seu velório, um dos mais concorridos que a cidade já viu. A vida passa rápido e felizes são os que podem falar da morte com tanta tranqüilidade.
O avanço da Medicina nos leva a acreditar numa vida cada vez mais longa. Mas, é sempre bom, de vez em quando, fazer um flashback da nossa existência. Eu, por exemplo, alto dos meus 65 anos, começo revendo o casarão novo que meu pai construíra na Alberto Maranhão, em Mossoró, com o cheiro forte de tinta denunciando a minha rinite. O jardim de infância, o grupo escolar, o novo colégio dos padres, tão longe que parecia fora da cidade, os padres comedidos, os padres se casando, provocando comentários. O jipe do pai de Paulo que nos levava (eu, ele, Berício e Cizinho) a inocentes serenatas de Altemar Dutra em vitrolas portáteis, nas janelas das namoradas. A escola de datilografia do professor Antonio Amorim, o Tiro de Guerra, os bailinhos, as namoradas, a zona do meretrício, a partida de Mossoró.
Nessa época Roberto Carlos já era o dono das paradas, mas a música que mais me marcou não era cantada por ele, mas por seu parceiro, Erasmo Carlos: “Sentado a beira do caminho”... Depois foi a vez do Rio de Janeiro, o ano de 1968, a Embratel, o casamento, os filhos, Campos, Macaé, Banco do Brasil (um sonho retardado!), novamente Campos, um poema premiado, a atuação na imprensa local, a morte dos parentes, a viuvez.
Não sei se, na vida, fiquei mais “sentado a beira do caminho”, ou se rodei bastante pelas rodovias da vida. O que eu sei é que vivi procurando entender e respeitar o sentido da vida, um jogo bastante difícil e perigoso, que em certas horas é preciso muita fé para não tropeçar e enveredar pelos vícios, que são tantos e se apresentam tão fáceis. O que eu sei é que torço para amanhã ou depois, sereno, poder dar um alô para a morte, ou falar para Deus: “- Missão cumprida!”