Entra ano, sai ano e a novela de muitos brasileiros continua a mesma. Nós a acompanhamos pela televisão, na segurança e no conforto do nosso lar. Chocados, querendo fazer algo; ser autoridade para solucionar os problemas. Como reféns, como se aquelas figuras patéticas exigissem de nós alguma solução...
Foi tomando o meu café da manhã no segundo dia do ano, que assisti a mais um doloroso capítulo desse folhetim real, que parece não tocar jamais o sentimento das nossas autoridades. Um programa dito “policial”, que é exibido nas manhãs pela TV Record mostrou vários flashes de família de moradores de rua na última noite do ano, em três importantes capitais brasileiras: Salvador, Brasília e São Paulo. E, eu posso garantir que mais emocionante do que o desfecho da morte de Odete Reutman, ou os gritos histéricos de poderosa e desvairada “empresária” da atual novela das 9,00, da Globo, foi contemplar toda a crueza da vida desses trabalhadores brasileiros que mais pareciam animais acuados, buscando refúgio em lugares tão inóspitos.
A matéria exibida tinha de tudo: família de sem teto cuja casa o temporal levou; desempregado de aparência tranqüila que pagou pena por haver traficado droga um dia, mas que hoje tem dificuldade para conseguir novo trabalho; crianças de idades diversas, inclusive na barriga da mãe... debaixo de viadutos, convivendo, dividindo seus espaços com paredes de papelão.
Os toscos fogões estavam desativados e uma sobra de um arroz de festa de encontro de final de ano era o que havia para a sua ceia. O mais chocante é que aquelas pessoas não eram mendigos, bêbados ou loucos que perambulam pelas ruas e buscam o espaço para descansar o corpo. São famílias, gente como a gente, pai, mãe, filhos (alguns ainda na barriga, prestes a conhecer essa dura realidade!) que, de alguma, forma tentam conseguir alguns trocados para sobreviver. De que maneira? Catando material reciclável; lavando roupa para fora; fazendo biscates. São famílias que não conseguem sair dessa vida (dá para chamar de “vida” o seu cotidiano?) e, sem nenhuma solução, vão se deixando levar...
Foi nesse lugar (que nenhum ser humano merece viver!), que eles assistiram, olhando pelas frestas dos edifícios que os rodeiam, o brilho de fogos na avenida e na praia. Foi ali que eles repartiram o pouco que conseguiram, desejaram Feliz Ano Novo para todos, mesmo que saibam que a solução para a sua vida miserável está longe de uma solução.
Enquanto isso, políticos que os representam, insensíveis, em festanças milionárias, em lugares privilegiados daqui ou do mundo, se empanturram com ceias requintadas, indo mais tarde, ou sendo levado, para dormir o sono da indiferença, num país cristão que começa a se destacar entre os maiores do mundo.
Haja coração!!!