Querendo resolver logo o problema do conserto da máquina, ligou cedinho para a oficina. Atendeu uma voz feminina: diferente, aveludada, mal dormida. Aquele “alô!” não era um alô comum: tinha musicalidade, e se perpetuava no ouvido com altos e baixos de montanha-russa:
- Al-Lo-OU-uuu!...
A princípio, quis desligar. Talvez tivesse se enganado ao teclar o número. Por outro lado, aquela voz diferente o deixara intrigado.
- Por favor, é do número “dois, sete, ..., ..., ..., ,..., ..., ... ?
- S-i-I-I-i-i-M-m... (Respondeu a voz melosa).
- Posso falar com o gerente? (perguntou ele, a essa altura imaginando que aquela voz sensual pudesse ser um novo “marketing” da oficina).
- U-u-U-a-u!... que voz bo-Niii-ta! (A curiosidade aumentou: ela não respondera à sua pergunta, e ainda elogiava a sua voz!)
- A senhora não chamou o gerente... (Insistiu)
- Não chamei porque aqui não tem gerente nenhum, bem! Tem uns seis meses que eu adquiri essa linha. (Justificou ela, atenuando um pouco aquela marcante sonoridade. Com isso, tudo ficava claro: o número era o mesmo, só que mudara de dono.)
- Que confusão! (falou ele, desculpando-se) Tomei o seu tempo...
- Não há de que se desculpar! Com essa voz de l-o-C-u-T-o-O-O-R... (Voltou a intrigante sonoridade. Ele, a essa altura, já querendo conhecê-la).
- Que tal se nos encontrássemos?
- N-Ã-o! (Para ela, a coisa não podia ser apressada. “Poderia haver decepção”. Mesmo assim, falou sobre os seus predicados, que eram ótimos: tinha mais de trinta, um metro e setenta, loura, olhos claros...
- M-a-S, A-g-O-r-a N-ã-o! D-e-P-oOo-i-s... (Há momentos em que saber esperar é muito importante. E, para garantir o retorno, ele apressou-se em informar o seu número)
- Lo-go, lo-go, Vo-Cê vai me Co-nHe-cEER m-E-L-h-o-R... Ho-je não, O-k??? (Ele, embasbacado, insistiu uma vez mais):
- E, se a gente nos encontrássemos logo mais à noite na Pelinca... Lá tem tantos lugares interessantes... Você gosta de pizza... churrasco...?
- TcHau, b-e-M-m!... Te ligo! (E, desligou. Grilado, ele pensava: “Será que ela volta a ligar?” “Ou só queria fazer hora!” “Foi tudo um trote?!” “ Vai ver, não é nada do que falou!” (aquela voz melosa martelava a sua cabeça, e ele tentando desvendar os seus mistérios. Lá pelas tantas, o telefone toca e ele se apressa)
- Al-Lo-OU! (Era ela)...
Obs.: extraída do meu livro de crônicas “A Ponte”, de 2007.