"Ao fim das crônicas conheça os poemas do autor"

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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O ESTERNO

A passagem fora comprada com atenção a fim de aproveitar mais o tempo da viagem, mas com cuidado para que o desembarque na capital se desse ainda com a luz do sol. Ultimamente, o Rio de Janeiro assustava diante do noticiário policial. Isso passou a amedrontá-lo a ponto de adiar várias vezes a visita ao parente operado. A família é que insistia com a viagem, lembrando os favores prestados pelo parente, quando eles lá residiam. Finalmente, decidiu: – É hoje! E, embarcou... O que ele não contava é que obras que estavam sendo realizadas em inúmeros pontos da rodovia, atrasassem a viagem, a ponto de chegar ao Rio de noite.

Pela ponte admirou o “colar de diamantes” que é a baia de Guanabara à noite. Ficou receoso com a escuridão lá fora. Na Rodoviária, retirou a sua valise do bagageiro e se preparou para descer. Começou a rezar a oração que a mãe lhe ensinara para se livrar dos perigos. O corredor congestionado impedia que saísse mais rápido do ônibus. Lá fora, ligou para a esposa do operado. Ela não mandara ninguém pegá-lo na rodoviária, porque os meninos tinham ido fazer um concurso... Estava nas mãos de Deus!

Um guarda informou-lhe o ônibus que o levaria mais próximo do edifício do parente operado. O ônibus estava estacionado. Entrou. Acomodou-se. Admirou a trocadora: nova, simpática, quase uma menina e, no entanto, ali estava jogada às feras do trânsito louco do Rio. Buscou um bom lugar, já que o ônibus demoraria 20 minutos. Aproveitou para observar os passageiros. Dentre eles, chamou-lhe a atenção uma turista que falava espanhol, com vistoso bolero, e cabelos negros que sacudia vez ou outra, sobre os ombros:

- Olla! Vai a Copacabana?

- Vai, sim. Respondeu a trocadora.

- Quanto costa? A trocadora informou, ela pagou. Depois deu outra sacudida no cabelo, passou com dificuldade pela roleta, fez “caras e bocas” e acomodou-se no primeiro banco. Ele pensou: seria uma Larissa genérica? ou uma Riquelmes do Paraguai (aí já seria um pleonasmo, não é verdade?) O certo é que a garota era bonita e falava espanhol, como a Musa da Copa.

Logo o motorista dá partida e atravessa ruelas escuras que mais pareciam tiradas de filmes policiais americanos. Depois, alcança a Av. Venezuela e ele vê, próximo à Praça Mauá, um grande abrigo de passageiro. Foi ali, nos anos 60 que desembarcou pela primeira vez no Rio para tentar a vida. Apesar do reflexo na janela e da semi-escuridão lá fora, recorda que foi nessa área do centro que iniciou a sua vida no Rio. A rua Marechal Floriano, onde começou a trabalhar num escritório de representações, a Candelária, a Rio Branco, a Cinelândia onde fez pré-vestibular e foi a cinema e teatro. O Hotel Serrador, o relógio da Mesbla, o Passeio Público o Aterro do Flamengo, onde se localizava o restaurante dos estudantes, todos lugares familiares nos seus primeiros anos de Rio. Com nostalgia lembrou o chafariz da Praça Paris, que o metrô levou... A igrejinha da Glória não conseguiu ver. Apreciou a sequência: Glória, Catete, Flamengo, Botafogo; o Pão de Açúcar, de um lado, o Cristo do outro. Os túneis, e finalmente, Copacabana! Oh, Rio de Janeiro, de tantas belezas que fascinavam! Mas, que agora, assusta!

Desceu na Barata Ribeiro e foi na direção da praia até chegar à N.S. de Copacabana. Passou pelo Teatro Copacabana que exibe cartazes nostálgicos da época de ouro do teatro. Um pouco mais de caminhada, sempre observando os personagens da noite boêmia da Princesinha do Mar, hoje refúgio dos aposentados, ele finalmente chega ao apartamento do operado.

- Rapaz! Como você está bem!

- É... o pior já passou...

- Não me esqueci do chuvisco que você adora. Trouxe dos dois:

em calda e cristalizado. Está uma delícia. A esposa interferiu:

-NÃO! Ela, transformada em rígida enfermeira, foi taxativa.

Depois, o parente operado levantou a camisa para mostrar-lhe o tórax. Bem no centro, ele, o esterno, raspado, rasgado, explorado, apesar de tudo revelava apenas uma discreta cicatriz, que ele cuidava com atenção, tomando coquiteis de remédios e cruzando a toda hora, os braços sobre o peito, como quem carrega algo super valioso, sagrado enfim, o símbolo de um novo homem.