Desde que eu soube do concurso literário, passei a fazer expediente no minúsculo quarto de empregada, em meio a depósitos de mantimentos e objetos não utilizáveis, na intenção de transformar velhas recordações num trabalho digno do evento. Mesmo advertidos para não me interromperem, os garotos algumas vezes batiam na porta, com desculpas fantasiosas. Quando a situação se tornava insustentável, dava uma parada e recomeçava mais tarde, ocasião em que o silêncio só era quebrado pelo ronco dos carros ou pelos ruídos eletrônicos de um fliperama próximo. Era, afinal, um desafio que poderia somar pontos nas minhas investidas literárias. Daí, o meu aguçado interesse...
A minha intenção ao criar esse texto, era buscar a origem do meu interesse pela criação literária que sempre me perseguiu. Acho que tudo começou com o meu avô, Professor Lourenço, no início do século XX, na pequenina Caraúbas, interior do Rio Grande do Norte. Destacaria também os meus tios maternos, que tinham sempre divertidas histórias para nos contar nas suas visitas a Mossoró, quando lá iam a negócio ou para cuidar da saúde. E, chegaria aos meus irmãos Deífilo e Tarcísio, com criações elogiadas no campo da poesia e do conto, respectivamente. Tudo isso para chegar às minhas descobertas e aos meus devaneios literários ao longo dos anos. Arredios e desconfiados como o próprio autor...
Por volta dos doze anos, costumava matutar sobre a vida e sobre a morte com seus mistérios insondáveis. De vez em quando, transpunha alguma coisa para o papel. A mais remota experiência de que tenho lembranças foi quando, de férias em Natal na casa de uma irmã, uma noite encantado com o céu ornado por milhões de estrelas, escrevi umas quadrinhas para aplacar a saudade que sentia da minha mãe. Pela primeira vez me senti um “autor”. Um autor precoce é verdade, mas carente de elogios e de apoio. Porém, como cobrar falta de apoio literário de um pai, com seus inúmeros afazeres como dono de padaria e de uma mãe, dona de casa, que conseguiram o desafio de criar nove filhos?...
Foi no ginásio e no científico que conheceu os primeiros namoros, os amigos e as inevitáveis conversas sobre o que acontecia no mundo. Os bons lançamentos literários eram comentados, assim como o cinema, que era o máximo, com suas novidades, como o cinemascope. Confesso que nunca fui um grande leitor. Talvez o cinema, com bons e variados filmes, tenha me desviado um pouco da leitura. Lembro-me de que, cheguei a ler “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e a coletânea de poesia “Os encantos da mulher nua”, esse - como todo adolescente da época -, curioso na anatomia feminina. De repente, um livro veio parar nas minhas mãos: “O Encontro marcado”, de Fernando Sabino, marcando a minha juventude e afastando de mim o trauma por volumes grossos e letra miúda de certas obras...
Quando dois dos meus irmãos integraram um grupo de teatro de estudantes em Mossoró, conheci uma obra que me introduziu no universo político/social:: “Eles não usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri. E, como que num impulso, passei a escrever uma peça em que ambientava, no cenário nordestino, personagens semelhantes aos do autor. O irmão Tarcísio, àquela época, já inveterado leitor foi quem me alertou para o “plágio”. Sua generosa observação, no entanto, foi como “água fria na fervura”. De nada adiantou ponderar, dizendo que com o tempo acharia o meu próprio estilo. A minha inexperiência aliada ao meu entusiasmo pelo que havia escrito, dizia que “a peça estava pronta para ser levada aos palcos do Brasil e do mundo”. Perfeita! A realidade, porém era outra...
As minhas redações no colégio sempre receberam elogios. Por conta delas, acabei escrevendo para o programa de rádio “A voz do Estudante”. Daí para o jornal foi rápido. Como havia um espaço vazio, fui fazer coluna social. Entrevistei misses e cobri a sociedade local. Mas, veio a revolução de 1964 e uma edição inflamada do jornal, opondo-se ao movimento, foi recolhida às pressas das bancas. O jornal, temporariamente parado acabou com o meu sonho de jornalista. E aguçou outro desejo meu: ganhar a vida no Rio de Janeiro como tantos conhecidos já haviam feito. Esse era o desejo de muitos jovens nordestinos na época. Com os diplomas do Curso Científico, do Curso de Datilografia do Professor Antonio Amorim além do Certificado de Reservista me aventurei. Só que, a promessa aos pais na ocasião, foi a de estudar Medicina...
Após duas tentativas frustradas, a Medicina foi posta de lado. Passei a fazer concursos. Como Operador de Telex Internacional entrei para a Embratel que acabava de ser criada no país. Com um bom salário, pensava em me casar e já não me preocupava mais com a “bóia”, a preço simbólico, do Calabouço. Local de momentos tão marcantes da minha juventude que acabei escrevendo uma dezena de crônicas sobre o tema (uma delas, “Jurema”, acabei de publicar neste espaço). Em seguida, vieram o casamento, os filhos e 10 anos de Embratel no Rio. Depois, o TRT em Campos, e mais tarde o BB, em Macaé onde, atraído por um edital, resolvi participar do concurso literário...
Pois é... Naquele quartinho de empregada que mais parecia uma cela, no inicio dos anos 80 fiz esse trabalho, hoje apresentado com pintura nova. A primeira versão não foi classificada, mas me estimulou a continuar tentando, e ser premiado em concurso nacional de poesia anos mais tarde. Afinal, quando se busca um objetivo, todos os caminhos são válidos. E, foram essas participações que me abriram portas decisivas para que os meus desafios literários virassem realidade em Campos dos Goytacazes.